PALIMPSESTO (2020 – 2024)
Palimpsesto explora o encontro entre o íntimo e o desconhecido, tendo como ponto de partida uma única fotografia resgatada do arquivo ACHO, em Campinas/SP – um acervo que abriga fotos descartadas no lixo e garimpadas por um grupo de catadores. Trata-se de uma foto antiga e desbotada que traz a imagem de uma garota em tenra idade acompanhada de um homem e um cão. Vivemos em uma era de produção massiva de imagens e, como afirma Joan Fontcuberta em La Furia de las imágenes (2020), mais importante do que gerar imagens, é atribuir sentido e dar uma nova vida às mesmas. Nesse contexto, o trabalho tece uma investigação estética e poética sobre o retrato anônimo na fotografia contemporânea, percorrendo uma pequena parte da foto em questão – a garota. A pesquisa detém-se no corpo da imagem e nas camadas por trás da foto, explorando elementos como memória, sonho e fabulação. As marcas e peles do corpo da imagem são removidas – tanto do ponto de vista material e literal quanto do ponto de vista imaginário – ao mesmo tempo em que são criadas outras marcas e peles. Para essa finalidade, usa-se o fogo, a água e outros materiais, além de recortes e costuras, em uma tentativa de responder perguntas como: Do que é capaz uma única imagem? Quantas camadas têm por trás de uma imagem? Quantas memórias podem ser encontradas no corpo de uma imagem? Quantas presenças, histórias, palavras e fabulações uma imagem é capaz de trazer? Quantas metamorfoses uma única imagem é capaz de fazer? Fontcuberta vê as imagens como entidades vivas, que nascem, crescem, morrem e retornam para o ciclo da vida. Quando me deparei com a fotografia da garota, seus olhos ausentes – e desbotados pelo tempo – me atravessaram e revolveram memórias. Quis devolver a imagem ao tempo, porém estávamos entrelaçadas: eu e a garota. Seus olhos fixos aos meus; sua pele costurada à minha; seu silêncio amalgamado ao meu; sua história contaminada à minha. Uma garota que não sei quem foi e que se parece assustadoramente comigo – o mesmo corte de cabelo, os mesmos sapatos e o mesmo silêncio da infância. Conforme investigo o retrato desconhecido, já não sei se pesquiso a sua história ou a minha ou se estou atrás de suas memórias ou das minhas. As imagens têm essa capacidade de soprar memórias da escuridão e, nesse sentido, o trabalho compreende as fotografias como corpos vivos e orgânicos que se movem entre latências de tempos e restituem corpos desaparecidos: os corpos que ocupam lugar nas imagens e os corpos advindos das memórias (e das novas memórias) suscitadas por elas. Valter Hugo Mãe, escritor português, no livro “Contra Mim” (2020), diz que “a vida é feita de ressuscitar constantemente”. Através da pesquisa artística, ressuscito e construo novas memórias e significados para esse retrato anônimo, devolvendo-lhe para a vida, inclusive por meio de esculturas e objetos que extrapolam o quadro da imagem – como as lembranças que transbordam. O trabalho também se vale de metáforas visuais, como cascas de árvores e uma concha em forma de borboleta, que evocam o papel fotográfico e as metamorfoses da imagem. Palimpsesto teve início no âmbito de duas residências artísticas realizadas junto ao ACHO – arquivo em Campinas, e se desdobra no ensaio Retrato de um quase e sempre – composto por fotografias, pequenos objetos e esculturas fotográficas -, além de poemas, vídeos e áudios.
Ficha técnica: fotografia digital, objetos, esculturas fotográficas, vídeos e áudios.
RETRATO DE UM QUASE E SEMPRE
