DE TUDO FICA UM POUCO (2018)

Deixamos impressões e marcas em nossa passagem, resquícios do tempo, do que fomos e do que sobra. Guardamos os vestígios (objetos, cartas, fotografias, dentre outros) como forma de eternizarmos momentos, memórias e até mesmo nossa própria existência.

O trabalho teve início com a apropriação do verso “de tudo fica um pouco”, do poema “Resquício” de Carlos Drummond de Andrade, que também dá nome ao projeto. A partir desse verso, escrevi uma poesia. Depois, me apropriei de três retratos antigos do arquivo de família para compor o tríptico inicial: minha avó, minha avó com minha mãe e minha mãe comigo. Escolhi trabalhar com essas imagens pelo seu significado afetivo e por serem mulheres que deixaram marcas profundas na minha vida.

A partir desse tríptico, faço várias interferências nas imagens usando técnicas diversas, tais como o bordado, lixa, recortes, costura, queima, escrita, em uma referência às marcas que deixamos.

Os vestígios podem compreender desde a herança genética e semelhanças físicas, representadas no primeiro tríptico pelo ventre feminino, pela maternidade e pela árvore da vida, assim como objetos como os pedaços de crochê da minha avó que foram incorporados às imagens. Os vestígios remanescem em escritos e cartas, como em um dos trípticos, no qual escrevi à mão trechos do poema que criei.

O trabalho apresenta, ainda, fotografias de objetos antigos e afetivos, que pertenceram a mim, minha avó e minha mãe.

Com o passar do tempo, as marcas e sinais se desbotam e vão sendo esquecidos, perdendo o valor sentimental e de memória. Será que meus descendentes vão dar o mesmo valor aos pedaços de crochê da minha avó? Em função disso, optei também por intervenções com foco na desconstrução das imagens, desfazendo suas memórias e trazendo novos significados às referências originais. As imagens vão perdendo sua nitidez, clareza e praticamente desaparecem, deixam de ser recordações afetivas para se tornarem apenas vestígios.

Ficha técnica: 5 trípticos e 12 fotografias, impressão com pigmentos minerais sobre papel Kozo, com exceção de um conjunto sobre papel Luster.

De tudo fica um pouco, já dizia Carlos Drummond de Andrade.

Fica um pouco do cheiro,

dos nossos traços,

da criança do passado,

da juventude perdida,

das histórias contadas e lidas.

Ficam objetos afetivos,

palavras escritas em folhas antigas,

fotografias desbotadas,

lembranças esmaecidas,

sentimentos quase esquecidos.

Fica a eterna saudade.

Ficam fragmentos,

sobras,

resquícios de tudo que foi um dia.